domingo, 17 de outubro de 2021

ANPIRES ( depoimento )

Depoimento do Comandante Pedro Pires sobre José Maria Neves

Somos de gerações diferentes e, sobretudo, de vivências muito diferentes. Temos uma diferença de idade de cerca de 20 anos. Pode-se ver a diferença das nossas vivências. Estes são elementos essenciais para se poder entender as visões diferentes das pessoas. No caso, estávamos a ter visões e atitudes politicas diferenciadas.

José Maria Neves fazia parte dos melhores alunos do Liceu Domingos Ramos. Era um grupo de jovens inteligentes, irrequietos e irreverentes, com intervenção política no seio da juventude estudantil. Estavam próximos do PAICV. Como era natural, tinham muitos sonhos e eu, do meu lado, trazia o traquejo da luta e estava a viver as grandes dificuldades daqueles anos iniciais. Talvez aqueles jovens vissem a realidade de forma diferente, mais otimista, e não entendessem bem as enormes limitações por que passava o país.

Estava trabalhando a problemática da formação de quadros qualificados e competentes, inspirado pela experiência francesa da ENA. Foi por esta razão que se deu, na altura, bastante atenção aos finalistas mais bem classificados. Tinha conhecimento desse grupo de jovens inteligentes e ousados do Liceu Domingos Ramos, entre os quais se destacava o José Maria Neves. Pensando no futuro, vi nele um candidato ideal a essa formação de alta qualidade, que projetava para o País.

Entrementes, tinham surgido as bolsas da Fundação Getúlio Vargas, quando tínhamos iniciado a Reforma da Administração Pública com a assessoria dessa fundação. Pensei na pessoa do JMN, que tinha escolhido uma outra formação. Com muita persistência, consegui persuadi-lo a mudar de ideia e a ir fazer aquela formação em gestão pública em vez do curso de Direito, compromisso que satisfez plenamente e com distinção. Eu estava convencido da necessidade de formação de verdadeiros gestores públicos, a fim de montar uma nova Administração moderna e eficiente, diferente da burocracia retrógrada da administração colonial.

Também, aconteceu que tinham fundado na Assomada o grupo de teatro OTACA, pelo qual eu tinha muita simpatia pela pertinência das suas exibições. Constou-me que JMN era um dos guionistas do grupo. Fiquei impressionado com essa ousadia. Assim, crescera o meu apreço e simpatia por ele, pois via na sua audácia, curiosidade e intervenção social a emergência de um dirigente do Partido, enfim, de um futuro líder.

Durante a nossa militância política enquanto membros do mesmo Partido, cruzámo-nos em diversas situações e acasos, com algumas crises pelo meio. Houve entendimentos e desentendimentos. Porém, as crises não estragaram as nossas relações de amizade e respeito mútuo. No fim, chegávamos sempre a entender-nos, pois as relações não eram meramente pessoais. Havia os aspetos de carácter institucional e de interesse comum que aconselhavam a cooperação e a convergência. Ambos somos apologistas da ética, da lealdade institucional e do respeito pelo interesse comum.

Não havia entre nós relações de dependência. JMN tinha e tem uma personalidade forte. É cioso da sua autonomia de pensamento. Teve sempre a ousadia de pensar pela sua cabeça. Entendo que, no decurso da sua militância social e política, foi crescendo politicamente até atingir a elevada estatura de homem político, que é hoje.

Estávamos a trabalhar no aprofundamento da transformação do PAICV: mudar do «movimento de libertação» ao partido político «normal». A ideia era romper, de certa forma, com algumas normas e práticas herdadas do movimento de libertação e, particularmente, nas relações com as suas extensões sociais, as chamadas «organizações de massas», ou seja, permitir uma maior autonomia organizacional e maior liberdade de ação a essas organizações. Estava ainda em curso a mudança geracional nas direções dessas organizações.

Nem todos os militantes tinham compreendido a necessidade de mudanças no estilo de trabalho e no relacionamento entre aquelas instituições. Seria algo como uma distensão e democratização das relações do PAICV com as suas instituições associadas, dando espaço para mais liberdade de ação e maiores responsabilidades.

JMN foi a pessoa escolhida para representar e conduzir aquele processo de arejamento político e de mudança geracional na JAAC-CV. Havia a intenção do rejuvenescimento da liderança e da composição etária da organização, a fim de a tornar mais atrativa às gerações mais jovens, estimulando o seu crescimento e intervenção social.

Assim, era aconselhável tornar a sua organização interna menos rígida ideologicamente e menos «adulta» e, simultaneamente, mais jovem e mais dialogante. No fundo, havia o objetivo de fazer a reforma política e estrutural daquela organização e dinamizar o seu funcionamento e intervenção junto da juventude.

Coube à liderança encabeçada por JMN a missão de realizar as mudanças previstas e de impulsionar o crescimento e o incremento  da intervenção social da organização. Como não podia deixar de ser, aquelas mudanças e reformas institucionais geraram ruídos, conflitos e incompreensões, no entanto, ultrapassados sem prejuízos para a organização.

Entendo que o exercício da liderança da JAAC-CV foi um tempo profícuo para o melhor conhecimento da realidade complexa e desafiante do País e da sua juventude e, igualmente, um tempo de  crescimento, de aprendizagem e de amadurecimento intelectual e político de JMN. Foi nessas condições que começou a afirmar-se enquanto jovem Líder nacional promissor, portador de muitas esperanças e expectativas.

O mais importante na vida política é o reconhecimento público nacional e internacional de uma personalidade política. JMN goza precisamente desse reconhecimento público nacional, africano e internacional, enquanto homem político competente, estudioso e respeitável. Tem sido convidado para participar em debates nacionais, internacionais e proferir conferências sobre temas «quentes» atuais e sobre os desafios globais que influenciam o futuro nacional, africano e internacional.

O percurso político e social de JMN é precisamente o de um homem político, inteligente e hábil e de um estadista. Tem um currículo rico: foi militante político, deputado, presidente de uma Câmara Municipal e primeiro-ministro. Ademais, teve a preocupação de valorizar e alargar a sua formação académica, sendo presentemente professor na Universidade de Cabo Verde. De igual modo, as suas qualidades pessoais são de um estadista patriota, («Por Amor à Terra»), coerente, comprometido com o nosso País e com a busca de respostas vantajosas e sustentáveis para os desafios, com que se confronta presentemente.

Aliás, José Maria Neves tem um elevado sentido de Estado, muita preocupação social e a imprescindível perspicácia e inteligência estratégica que lhe possibilita antever o futuro. Tem a capacidade de apreender e dominar as possibilidades e as prioridades que a economia de Cabo Verde está reclamando. Como exemplo, foi durante a sua governação que CV foi graduado a País de Rendimento Médio, pelo PNUD, prova de uma liderança governativa eficaz e bem-sucedida, com resultados efetivos e reconhecidos.

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