Somos de
gerações diferentes e, sobretudo, de vivências muito diferentes. Temos uma
diferença de idade de cerca de 20 anos. Pode-se ver a diferença das nossas
vivências. Estes são elementos essenciais para se poder entender as visões
diferentes das pessoas. No caso, estávamos a ter visões e atitudes politicas
diferenciadas.
José Maria
Neves fazia parte dos melhores alunos do Liceu Domingos Ramos. Era um grupo de
jovens inteligentes, irrequietos e irreverentes, com intervenção política no
seio da juventude estudantil. Estavam próximos do PAICV. Como era natural,
tinham muitos sonhos e eu, do meu lado, trazia o traquejo da luta e estava a
viver as grandes dificuldades daqueles anos iniciais. Talvez aqueles jovens
vissem a realidade de forma diferente, mais otimista, e não entendessem bem as
enormes limitações por que passava o país.
Estava
trabalhando a problemática da formação de quadros qualificados e competentes,
inspirado pela experiência francesa da ENA. Foi por esta razão que se deu, na
altura, bastante atenção aos finalistas mais bem classificados. Tinha
conhecimento desse grupo de jovens inteligentes e ousados do Liceu Domingos
Ramos, entre os quais se destacava o José Maria Neves. Pensando no futuro, vi
nele um candidato ideal a essa formação de alta qualidade, que projetava para o
País.
Entrementes,
tinham surgido as bolsas da Fundação Getúlio Vargas, quando tínhamos iniciado a
Reforma da Administração Pública com a assessoria dessa fundação. Pensei na
pessoa do JMN, que tinha escolhido uma outra formação. Com muita persistência,
consegui persuadi-lo a mudar de ideia e a ir fazer aquela formação em gestão
pública em vez do curso de Direito, compromisso que satisfez plenamente e com
distinção. Eu estava convencido da necessidade de formação de verdadeiros
gestores públicos, a fim de montar uma nova Administração moderna e eficiente,
diferente da burocracia retrógrada da administração colonial.
Também,
aconteceu que tinham fundado na Assomada o grupo de teatro OTACA, pelo qual eu
tinha muita simpatia pela pertinência das suas exibições. Constou-me que JMN
era um dos guionistas do grupo. Fiquei impressionado com essa ousadia. Assim,
crescera o meu apreço e simpatia por ele, pois via na sua audácia, curiosidade
e intervenção social a emergência de um dirigente do Partido, enfim, de um
futuro líder.
Durante a
nossa militância política enquanto membros do mesmo Partido, cruzámo-nos em
diversas situações e acasos, com algumas crises pelo meio. Houve entendimentos
e desentendimentos. Porém, as crises não estragaram as nossas relações de
amizade e respeito mútuo. No fim, chegávamos sempre a entender-nos, pois as
relações não eram meramente pessoais. Havia os aspetos de carácter institucional
e de interesse comum que aconselhavam a cooperação e a convergência. Ambos
somos apologistas da ética, da lealdade institucional e do respeito pelo
interesse comum.
Não havia
entre nós relações de dependência. JMN tinha e tem uma personalidade forte. É cioso
da sua autonomia de pensamento. Teve sempre a ousadia de pensar pela sua
cabeça. Entendo que, no decurso da sua militância social e política, foi
crescendo politicamente até atingir a elevada estatura de homem político, que é
hoje.
Estávamos a
trabalhar no aprofundamento da transformação do PAICV: mudar do «movimento de
libertação» ao partido político «normal». A ideia era romper, de certa forma,
com algumas normas e práticas herdadas do movimento de libertação e,
particularmente, nas relações com as suas extensões sociais, as chamadas
«organizações de massas», ou seja, permitir uma maior autonomia organizacional
e maior liberdade de ação a essas organizações. Estava ainda em curso a mudança
geracional nas direções dessas organizações.
Nem todos os
militantes tinham compreendido a necessidade de mudanças no estilo de trabalho
e no relacionamento entre aquelas instituições. Seria algo como uma distensão e
democratização das relações do PAICV com as suas instituições associadas, dando
espaço para mais liberdade de ação e maiores responsabilidades.
JMN foi a
pessoa escolhida para representar e conduzir aquele processo de arejamento
político e de mudança geracional na JAAC-CV. Havia a intenção do
rejuvenescimento da liderança e da composição etária da organização, a fim de a
tornar mais atrativa às gerações mais jovens, estimulando o seu crescimento e
intervenção social.
Assim, era
aconselhável tornar a sua organização interna menos rígida ideologicamente e
menos «adulta» e, simultaneamente, mais jovem e mais dialogante. No fundo,
havia o objetivo de fazer a reforma política e estrutural daquela organização e
dinamizar o seu funcionamento e intervenção junto da juventude.
Coube à
liderança encabeçada por JMN a missão de realizar as mudanças previstas e de
impulsionar o crescimento e o incremento
da intervenção social da organização. Como não podia deixar de ser,
aquelas mudanças e reformas institucionais geraram ruídos, conflitos e
incompreensões, no entanto, ultrapassados sem prejuízos para a organização.
Entendo que
o exercício da liderança da JAAC-CV foi um tempo profícuo para o melhor
conhecimento da realidade complexa e desafiante do País e da sua juventude e,
igualmente, um tempo de crescimento, de
aprendizagem e de amadurecimento intelectual e político de JMN. Foi nessas
condições que começou a afirmar-se enquanto jovem Líder nacional promissor,
portador de muitas esperanças e expectativas.
O mais
importante na vida política é o reconhecimento público nacional e internacional
de uma personalidade política. JMN goza precisamente desse reconhecimento
público nacional, africano e internacional, enquanto homem político competente,
estudioso e respeitável. Tem sido convidado para participar em debates
nacionais, internacionais e proferir conferências sobre temas «quentes» atuais
e sobre os desafios globais que influenciam o futuro nacional, africano e
internacional.
O percurso
político e social de JMN é precisamente o de um homem político, inteligente e
hábil e de um estadista. Tem um currículo rico: foi militante político,
deputado, presidente de uma Câmara Municipal e primeiro-ministro. Ademais, teve
a preocupação de valorizar e alargar a sua formação académica, sendo
presentemente professor na Universidade de Cabo Verde. De igual modo, as suas
qualidades pessoais são de um estadista patriota, («Por Amor à Terra»),
coerente, comprometido com o nosso País e com a busca de respostas vantajosas e
sustentáveis para os desafios, com que se confronta presentemente.
Aliás, José
Maria Neves tem um elevado sentido de Estado, muita preocupação social e a
imprescindível perspicácia e inteligência estratégica que lhe possibilita
antever o futuro. Tem a capacidade de apreender e dominar as possibilidades e
as prioridades que a economia de Cabo Verde está reclamando. Como exemplo, foi
durante a sua governação que CV foi graduado a País de Rendimento Médio, pelo
PNUD, prova de uma liderança governativa eficaz e bem-sucedida, com resultados
efetivos e reconhecidos.